Trata-se de uma
obra muito marcada pelas memórias de Clarice menina, ainda ou talvez em Recife,
como nos contos “Restos do carnaval, Felicidade Clandestina, Cem anos de perdão”,
Clarice adulta e mãe como nos contos “Esperança, Macaco, Come, meu filho”.
Clarice continua
com sua hermenêutica marcante como nos contos “O grande passeio, Repartição dos
pães, o ovo e a galinha, perdoando a Deus” entre outros contos.
MIOPIA PROGRESSIVA
Conta história da miopia de um menino que era considerado inteligente dentro do seu ninho familiar, onde todos o achava muito inteligente. Por qualquer comentário que fizesse sobre qualquer coisa, a mais boba que fosse.
Na entrevista a
Júlio Lerner, da tv Cultura, Clarice diz “tudo que eu digo, a maior bobagem,
então é considerado como uma coisa linda ou coisa boba, tudo na base de ser
escritora”.
Parece que o
menino míope, deste conto, sob o rótulo de “ser inteligente” vivia envolto de
uma casca que o protegia do mundo real. Do mundo, onde temos que lidar com o
contrário do que pensamos.
Quando
este descobre que vai passar um dia na casa de uma prima (fora do seu ninho
habitual). Passa a pensar com todo o poder que “tinha de suportar as confusões”,
em um universo de possibilidades como iria se comportar, pois no novo ninho teria
a liberdade para tentar ser outra pessoa, seria engraçado, iria no banheiro o
dia todo, iria falar algo inteligente e a prima iria mimá-lo durante todo o
dia, porque a prima não tinha filhos, mas desejava tê-los por isso ela iria mimá-lo,
amá-lo.
Mas quando
chegou na casa da prima, viu toda a certeza que tinha, de que iria ser amado,
se desfazer na sua frente.
A prima possuía
um dente de ouro, além disso, o deixou sozinho brincando e foi cuidar dos
afazeres da casa. Esta ação o desequilibra, não estava preparado para ser
ignorado, pelo contrário, sempre fora o centro das atenções de todos no seu
ninho.
Este novo
universo de confusões era demais para ele suportar. Não estava preparado e por
isso, pela primeira vez na vida não sabia o que fazer.
Esta
experiência o fez romper a casca de ovo na qual estava envolvido. Aprendeu
sobre uma rara instabilidade, a instabilidade do desejo irrealizável,
inatingível, a prima queria ter filhos, mais não os teve.
Pela primeira
vez o menino sentiu atração pela falta de moderação e aprendeu a amar a paixão
pela incerteza, pelas não possibilidades.
Sua miopia
começa a ser curada, pois ele passa a enxergar que a prima o amava, não por
fazer “coisas inteligentes”, mas sim pelo ser, que ele era.
“A partir de
então que pegou o hábito pelo resto da vida: cada vez que a confusão aumentava
e ele enxergava pouco, tirava os óculos sob o pretexto de limpá-los e, sem
óculos, fitava o interlocutor com uma fixidez reverberada de cego.
É como se o
menino tivesse se curado da “Miopia Progressiva”, pois quando estava no meio,
onde, qualquer coisa que ele falasse o achavam inteligente, ele tirava os
óculos para ver a realidade real, sem as lentes dos elogios por conveniências.
Voltando a
entrevista dada por Clarice a Júlio Lerner, Tv Cultura (1977), Clarice diz que “o
fato de mim considerarem escritora mim isola”, é como quisessem que ela usasse
os óculos da miopia, e por isso ela não o aceitava, o tirando sempre para fazer
a limpeza. Para assim conseguir ver o mundo real, e fugir do rótulo de ser
escritora, para continuar sendo livre e ver o mundo como este é.
Compre e leia:
A felicidade Cladestina, de Clarice Lispector
Felicidade Cladestina, de Clarice Lispector