26/01/25

A bela e a fera ou a ferida grande demais, de Clarice Lispector

     Trata-se de uma coletânea composta por 8  contos, que atam  duas pontas início e fim da obra clariceana. Que foi publicada postumamente em 1979. Quanto ao título “A bela e a fera”, foi dado por Paulo Gurgel Valente, filho de Clarice que cuida do seu acervo, pois este era o título que Clarice deu ao conto que virou nome do livro.

    Esse livro é dividido em duas partes: A Parte 1:

A bela e a fera, de Clarice Lispector 
possui 6 contos que foram produzidos entre 1940 e 1941, portanto são textos de uma Clarice muito jovem, com seus 20, 21 anos.

 
    Por isso, são anteriores a publicação do seu primeiro livro “Perto do Coração Selvagem” (1944). Parte 2: possui dois contos, são textos que marcam os últimos trabalhos de Clarice Lispector, provavelmente foram escritos em 1977, mesmo ano, em que 10 de dezembro, aos 56 anos, Clarice nos deixou fisicamente. Mas sua obra permanece e permanecerá.

Nos seis primeiros contos vamos ter acesso a histórias de moças muitos jovens descobrindo a vida, os amores, e pensam que algo grande vai acontecer em suas vidas, só porque estão virando adultas, algumas das protagonistas já são casadas e há um toque de interiorização, algo muito característico em toda a obra de Clarice Lispector.

(-Que eu adoro).

No conto de abertura temos uma jovem que está apaixonada e fica procurando uma fórmula de como falar isso ao W. O cara que ela está apaixonada. “Eu jamais plantaria jasmim junto a girassóis, como ousaria....”  Pois é essa “História é interrompida” pela própria voz que narra a história.

Nessa primeira parte adorei o conto “Gertrudes pede conselho”, Tude tinha 17 anos, como toda adolescente nessa idade tinha sonhos, ideias muito grandes, que para chegarmos lá tem um logo caminho, mas ela punha a culpa na família, que está muito ocupada com assuntos da rotina de uma família.

E isso deixa Tude inquieta, e o nome desta inquietação, não há, aqui já entra uma característica centrais da obra de Clarice. Sempre querer dizer algo. Mas esse algo está além do que a palavra consegue dizer. A linguagem torna-se uma experiência, que está além, que transcende a linguagem e o domínio da palavra.

Por causa dessa inquietação por cauda dessa angústia gerada pelo fato de não acontecer algo grandioso em sua vida. Tude resolve pedir conselho a uma doutora.

Uma coisa muito flagrante nesse livro de contos, é que podemos ter acesso a Clarice no início da carreira e a Clarice concluindo à sua obra, atando duas ponta da cronologia da vida.
E esta temática de transcendência da linguagem, que transcende ao que a palavra não consegue dizer. Assim a linguagem torna-se experiência. É muito bom poder fazer uma comparação entre as duas fases, meio que atando as duas pontas da cronologia escritora.

Quando a doutora conversa com Tuda. Explicando para Tuda que cada um nos é o seu próprio mundo individual, e a chave do meu mundo não abri a porta do seu mundo. Justamente porque esta é individual. 

Lembra a ideia de uma relação de conclusão que Freud, nos presenteia no livro “O mal estar da civilização”, quando Freud, conclui que mesmo antes de dizer que determinada atitude de uma pessoa está errada, deveríamos nos lembrar da multiplicidade que há no mundo de nós, seres humanos e somar a isso a nossa realidade psíquica.

Essa conclusão freudiana está em alinhamento com o pensamento da doutora. Assim, ela aconselha Tuda, com uma sabedoria conseguida através de vida vivida. Vida que Tuda ainda não tinha tempo para ter vivido, devido a sua idade.
O terceiro conto “Obsessão” fala de amor, mas não amor bonito, fala de um amor muito complicado. Trata-se de uma mulher casada, que fica atraída por Daniel. Essa personagem tinha uma vida normal, regrada. Mas esse interesse em um outro homem muda tudo.

Daniel é um homem que despreza tudo como ideais sociais, vive em uma vida, digamos alternativa, mora em uma pensão, inclusive, desprezará o amor dessa mulher. Esse dom de desprezar todos e a tudo é que atrair essa mulher.

Nesse conto a temática da mulher casada que está sendo sufocada pelo casamento somado as demais coisas que todos na sociedade separa para nós mulheres. Clarice assim, problematiza alguns imperativos impostos a nós mulheres e que censuram a nossa liberdade, aniquilando todas as possibilidades de sermos o quisermos na sociedade.

O conto “A fuga”, trata novamente da temática da mulher que está se sentido sufocada pelo casamento e por isso tenta fugir. Percebemos que no final do conto, toda esperança que esta tem, em viver uma vida mais livre. Longe de um chato, insuportável.
Na parte 2 da coletânea de contos temos dois textos: “Um dia a menos” e “A bela e a fera”.

No conto “Um dia a menos”, a temática do vazio existencial, é somando a solidão que a personagem vive. A mulher tem vontade de interagir, mas se sente que está sendo incômoda, pois crer que está atrapalhando a rotina dos outros. Esse sentimento vai se multiplicar diante a solidão que ela vive.

“A bela e a fera ou a ferida grande demais” que eu achei o mais importante desse livro de contos. Este conto vai mexer na ferida das desigualdades sociais, ao nos mostrar um encontro de uma esposa milionária, pois é casada com um banqueiro muito bem-sucedido, com um mendigo com uma enorme ferida na perna.

Por isso, o nome alternativo do conto “ou a ferida grande demais”, esse encontro nos revela uma tremenda desigualdade social brasileira. Esta também é uma chaga grande demais.
Nesse conto encontramos ironia como a mulher rica, que de tanto ter dinheiro é ignorante sobre a vida real das pessoas, principalmente aquelas mais pobres.

Essa mulher atendia pelo nome de Carla. Carla tinha ido salão de beleza, em Copacabana e está aguardando o seu chofer na calçada. O chover atrasa um pouco é quando um mendigo com uma enorme ferida da perna surge pedindo esmolas. Carla fica em choque com a visão daquele mendigo. E pensa o que meu esposo faria nessa situação? Depois conclui que ele não faria nada.

Esse conto possui um punhado de ironias, assim Carla percebe a realidade do mundo, viu o completo abismo que há entre as classes sociais. Carla resolve então ajudar o pedinte. E tira da bolsa 500 cruzeiros, pois não tinha cédulas de valor menor.

Para a realidade do mendigo aquilo era muito dinheiro, então nós (leitores) perguntamos será que ela estava ajudando ou ridicularizando ou humilhando o pedinte?

O mendigo pensa: essa mulher está ficando doida, ao me ajudar com tamanha quantia. Mas não, Carla estava alienada da realidade, essa quantia para ela não representava nada ou valia muito pouco. Mas para o mendigo representava uma pequena fortuna.

Mas esse encontro com o mendigo não sairá impune. Desde então Carla passa a pensar em sua vida cheia de futilidades e como também era fútil a sociedade que ela frequenta.
Assim, ela pensa nas palavras como justiça, sociedade passando a ter uma certa aversão a sua própria classe social, na qual pertence a classe dos super-ricos, percebendo que há um mundo, que pede por ajuda, tudo através da boca daquele mendigo.

Como acontece muitas vezes nessa coletânea de contos clariceanos. Carla começará a sentir-se sufocada pelo seu casamento. Percebe que mesmo sendo muito rica, o controle de sua vida, do seu corpo não lhe pertencia. 

Tudo que fazia precisava da concordância do esposo, até o número de filhos que iria ter, foi decidido pelo esposo. Percebe que era uma espécie de enfeite para o esposo para que seja cumprida uma função social para ele. Que na sociedade que frequentava ele era o protagonista, a ela restava o papel de esposa-troféu.

Para mim, esse é o melhor texto deste livro, pois este conto faz um contraste entre experiências vividas por Carla e o seu encontro com o mendigo, sempre em um jogo que os distancia (Carla e o Mendigo) e os aproxima.

Gostei muito desse livro, pois conseguimos ver pequenos flash da obra de Clarice Lispector. Desde textos iniciais como os textos finais.

Foi uma ótima leitura, um livraço!

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